as imagens do navio a afundar-se no Mediterrâneo não deixam de impressionar - e sabe-se tanto sobre miséria humana, hoje em dia. como isto, por exemplo: África. Resposta tardia à crise alimentar matou 50 a 100 mil pessoas. impressiona, talvez mais, a atitude do seu comandante - como é mais impressionante a inação global de todos nós, seres humanos e nações unidas.
o Daniel escreveu, e muito bem, sobre isso. não julgou, porque não se deve julgar. deve-se esperar ter fibra moral para aguentar a coisa. o comandante schettino não teve. não terá, na História, letra maiúscula. isso incomoda-me. e ao schettino também deve incomodar. a hipocrisia e a incoerência incomodam-me mais. o Daniel não foi nem uma coisa, nem outra.
Tenho, perante o comandante Schettino, sentimentos contraditórios. Os mesmos que tenho perante a cobardia. Talvez por ser o defeito que mais me repugna num ser humano. Aquele que mais gosto de imaginar longe dos meus atos passados e futuros. E, ao mesmo tempo, um dos mais compreensíveis. Quando o medo vence a vergonha, olho para o cobarde com nojo e compaixão: nojo pela sua cobardia, compaixão pela solidão que carregará na única vida que terá. E até depois dela. Haverá quem, depois de um ato hediondo, não a sinta? Claro. Assim se comportam os sociopatas, diagnosticados ou não. Mas pelo que sabemos do comportamento do homem que se escondeu, acocorado, num rochedo, não parece ser o caso. Schettino já sentia vergonha. Mas, na hora da verdade, o medo foi mais forte. Carregará para sempre o insuportável peso da solidão. Que nunca a vida me ponha de tal forma à prova. Porque poderia descobrir, enojado comigo próprio, que não sou quem julgo ser.
conheço algumas pessoas que não abandonam navios, tal como o Daniel, seguramente, também conhece. talvez o resto não devesse fazer tanto alarido.
No fundo é isto:
Carlos Zorrinho - Público
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