Foram várias décadas a colar o PS à direita, que só ao centro não chegava. Pinceladas de cinzentismo que lhe quiseram esbater o vermelho escarlate da sua identidade. Um pragmatismo excessivo, uma impossibilidade de base histórica no entendimento à sua esquerda e forças internas levaram a que, 40 anos depois dos cravos, acordos à esquerda tenham sido sempre impossíveis. 40 anos depois do outro 25, o de novembro, estamos à beira dum acordo histórico, único, esclarecedor.
No dealbar da assinatura de um compromisso jamais registado na nossa história democrática, repetem-se as opiniões e as manipulações, quais lobos em pele de cordeiro, mascarados de conselhos amigos. De uma noite eleitoral que se antevia dura, marcada pelo irritante e inconsequente chiar das longas facas afiadas, das análise prematuras mas previamente traçadas, emergiu a esperança clara e real de, finalmente, ser alcançada uma aliança de esquerda, desavergonhada, fora do seu armário, despida de preconceitos e amarras datadas. Uma coligação pré-eleitoral, formada com o único e legítimo interesse de alcançar, de novo, a maioria suficiente para a continuação de mais austeridade nos quatro anos que aí vêm, saiu inequivocamente derrotada, afastada dessa possibilidade, objectivos gorados pela votação expressiva de quem na urna depositou a sua aspiração. E, da rejeição desses interesses, emergiu uma nova e absoluta maioria, forjada na afirmação de um caminho novo, diferente, desfasado dos trilhos austeritários do passado recente.
Ao longo deste processo, ainda em curso, e revolucionário apenas na novidade que representa, será necessário às partes definirem, aliás, clarificarem e esclarecerem, qual o caminho que pretendem trilhar. As diferenças não cessarão de emergir se a elas apenas se dedicarem os seus intervenientes, iludidos por aqueles que lhe anteveem – e lhe desejam – o fracasso. Por sobre as diferenças, urge fazer triunfar os pontos comuns. Importa respeitar compromissos internacionais e parcerias europeias estratégicas para o desenvolvimento, mas não ficar refém das imposições sancionatórias e restritivas de ação que vêm da Europa concêntrica e monocéfala; é essencial definir que o modelo de sociedade a (re)construir é, de uma vez por todas, de inclusão, que não deixa ninguém de fora nem para trás, seja por motivos de identidade de género, de sexo, de raça, de etnia, de nacionalidade, ou de condição económica; que, definido este modelo de sociedade, se procura alcançar o equilíbrio e a sustentabilidade do Estado que a regula; urge estabelecer que se garante que a escola pública voltará a ser o pilar elementar da eliminação total das desigualdades económicas e sociais, garantindo uma educação de excelência, melhor como as melhores do mundo; que aos hospitais acorrerão todos por igual, e que nesses hospitais serão tratados pelos melhores profissionais, nas melhores condições possíveis; assegurar que a justiça estará, já hoje, por ontem ser por demais tarde, à disposição de todos, e não apenas acessível a quem melhores recursos puder empenhar na defesa dos seus direitos; e é fundamental criar em Portugal, se assim entenderem os que por cá andam e por cá fazem a sua vida, um lugar de futuro, agora que precisa, também, de se tornar num lugar de retorno para os que de cá partiram.
Neste mês de outubro de 2015, sem messianismos ou ambições revolucionárias, que não todas aquelas que acompanham e formam os sonhos de um futuro melhor, outubro pode trazer o triunfo adiado da esquerda unida na governação de Portugal. E, pela primeira vez, enterrar definitivamente o espectro de medo instalado sobre o socialismo, elevando-o e conotando-o com os padrões a que sempre aspirou, de igualdade, justiça e liberdade. Que este triunfo seja, ao contrário dos agoiros que por ele pairam, a oportunidade dourada de construção de um verdadeiro estado social, protegendo aqueles que mais do estado necessitam e potenciando o desenvolvimento humano de todos aqueles que em Portugal depositarem o seu futuro. Que em outubro, o vermelho rubro possa voltar a ser sinónimo da verde esperança que o acompanha, desfraldados ambos que foram pela República.