quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

os partidos e o futuro

Grécia, Junho de 2009, eleições europeias: PASOK ganha com 43,92% dos votos. Grécia, Maio de 2012, eleições legislativas: PASOK é a terceira força política, com 13,18% dos votos. Grécia, Fevereiro de 2014, sondagens para as eleições europeias: PASOK espera ter entre 5 e 7% dos votos. O acordo formulado entre o PASOK e o partido Nova Democracia para a formação do Governo em 2012, ainda que fundamental para a sua viabilização, descredibilizou o partido aos olhos do eleitorado, e atirou-o para uma posição eleitoral de difícil recuperação. Para agravar a situação, já de si frágil, do partido, a Iniciativa dos 58, um movimento de intelectuais e académicos ligados ao PASOK e que o abandonaram, deixou o partido ainda mais desprovido das suas principais figuras e ferido de parte da importante massa intelectual que tinha no seu seio. Pelo meio, um novo partido emergiu, a Aurora Dourada, de inspiração neo-nazi. Esta realidade, que baralhou por completo as contas eleitorais no país e que se apresentou como a tentativa de capitalização do descontentamento popular com a actuação das instituições que compõem a Troika - que deixaram o país num estado de emergência social - foi, também, fruto do afastamento dos dois tradicionais partidos gregos, e da alienação que ambos manifestaram relativamente ao seu eleitorado.

O fenómeno de emergência de novos partidos de extrema-direita - e, nalguns países, de partidos de extrema-esquerda - tem sido assente, de um modo ou de outro, em princípios semelhantes: anti-europeísmo, xenofobia, racismo, ultra-conservadorismo social e defesa de um modelo neo-liberal na economia. Alimentando-se da crise europeia, do descontentamento com as respostas europeias - e nacionais - a essa crise, do agravamento das situações de desigualdade, com o aumento do desemprego e do afastamento dos cidadãos dos partidos tradicionais, partidos como a Aurora Dourada (Grécia), o UKIP (Reino Unido), a Front Nationale (França), o Freedom Party (Áustria) ou o Party for Freedom (Holanda) têm crescido nas intenções de voto e ganho espaço mediático, tornando imprevisível o resultado final destas forças políticas nas próximas eleições europeias. A composição do novo Parlamento Europeu pós-Maio de 2014 trará, certamente, uma alteração profunda na retórica política, e a confrontação com a necessidade de alcançar compromissos com forças que operavam, até recentemente, fora do sistema, forçando a deriva da Europa para terrenos por onde há muitas décadas não navegava. Os sinais apresentam-se com clareza e indiciam o afastamento progressivo dos cidadãos dos partidos; só as respostas parecem tardar.

Num estudo de Setembro de 2011 - Sindicalização: a vida por detrás das Estatísticas - Henrique Carvalho de Sousa apresentava a evolução da taxa de sindicalização em vários países europeus e nos Estados Unidos da América, de 1978 a 2010. A tendência é clara, embora com várias oscilações e com maior ou menor acentuação: todos os países no estudo apresentaram uma diminuição do número de pessoas sindicalizadas*. Em Portugal, a queda é das mais acentuadas: em 1978 a taxa de sindicalização em Portugal era de 60,8%; em 2010 era de 19,3%. Durante vários anos, os sinais repetiram-se e o decréscimo foi progressivo, mas as estruturas sindicais poucas alterações sofreram na sua organização interna e pouco acompanhamento souberam aportar às novas condições laborais da sociedade portuguesa. Perante o desfasamento dos sindicatos das expectativas dos trabalhadores, e face a uma nova realidade que inclui falsos recibos verdes, contratos renováveis bi-semanalmente ou mensalmente, o aumento da precarização, e com o aparecimento de mais e mais trabalhos não remunerados, surgiram associações que procuraram defender os interesses de quem se encontrava nestas situações, como são o caso dos Precários Inflexíveis e do FERVE (Fartas/os d'Estes Recibos Verdes), que acabariam por se fundir no final de 2012. Progressivamente, pese embora não se possa considerar que estas associações tenham substituído os sindicatos, nem tão pouco se assumam como estruturas desse tipo, a verdade é que foram ganhando preponderância na protecção e apoio aos trabalhadores que se viam confrontados com a nova realidade laboral, e que frequentemente a estas recorrem na procura de funções que, tradicionalmente, eram desempenhadas em exclusivo pelos sindicatos.

Com os partidos políticos em Portugal, a situação é semelhante. Desde meados da década de 1980 que os partidos têm progressivamente perdido militantes e não têm sido poucos os sinais que demonstram o afastamento dos cidadãos da participação na vida partidária ou mesmo eleitoral. O aumento contínuo da taxa de abstenção eleitoral, dos votos nulos e dos votos brancos revelam um descontentamento crescente do eleitorado relativamente aos partidos actuais e indicam uma maior alienação da participação política a nível nacional. É desta realidade que resulta a necessidade dos partidos políticos encontrarem a solução para a sua reforma. Modelos que assentem num endémico modelo de recrutamento apressado de militantes, na manutenção da opacidade das decisões internas - sejam elas estatutárias ou de nomeação de candidatos a eleições -, que não contemplem a participação externa dos cidadãos na vida interna dos partidos, que insistam na ruptura dos programas eleitorais e que não assentem numa visão de continuidade para o país poderão representar o cavar de uma maior fissura entre as estruturas partidárias e os cidadãos. A representatividade, a abrangência e a transparência devem ser elementos estruturantes e transversais aos partidos, sobretudo tendo em vista uma maior abertura a tentativas de renovação democrática e reestruturação orgânica. Acresce a estes factores o posicionamento ideológico dos partidos. É apenas natural que os partidos sejam estruturas evolutivas, que acompanhem o desenvolvimento das sociedades e que adaptem as suas estruturas às necessidades que se apresentam ao longo dos anos. Contudo, a ideia que procurou prevalecer no imediato pós-guerra fria, de fim da história e de fim da ideologia, de triunfo absoluto de um só modelo social, económico e político, não encontrou eco nas reais aspirações dos indivíduos nem permitiu aos partidos, transfigurados ideologicamente, corresponder às expectativas dos seus eleitores. Nos partidos de esquerda, sobretudo socialistas e sociais-democratas, a crise ideológica foi particularmente sentida e atingiu-os com maior profundidade a partir dos anos 1990, com o triunfo da Terceira Via de Giddens, incorporada no New Labour inglês de Blair, no SPD de Schroeder e no Democratic Party de Clinton. A incursão destes partidos na adopção de práticas e modelos capitalistas de governo, numa tentativa de misturar a social-democracia europeia com o modelo liberal instaurado por Reagan e Thatcher uma década antes, arrastou estes partidos, e muitos dos seus congéneres europeus, para o centro do espectro político-ideológico e levou a que, na percepção dos seus eleitorados tradicionais, se tivessem diluído as fronteiras entre a esquerda e a direita, em particular o centro-esquerda e o centro-direita.

A crise que eclodiu em 2008 e que fez implodir o sistema financeiro mundial, atingindo de forma brutal a Europa e a sua incompleta União Económica e Monetária, foi resultado da especulação e da desregulação dos mercados, corolário da implementação das teorias Hayekianas e Friedmanianas e seus discípulos, das famosas Escolas Austríacas e de Chicago; foi fruto do abandono do modelo social europeu, que havia saído da II Guerra Mundial, tal como idealizado por Keynes. Perante este quadro, após a profunda crise que atravessamos e no momento em que vivemos actualmente, procurar (re)formar ou (re)construir os partidos políticos, considerando que a ideologia pode ocupar um lugar de somenos importância na sua definição identitária, pode constituir um erro crasso na tentativa - assim haja essa vontade - de aproximação aos eleitores. Urge (re)pensar os partidos de forma a que estes: a) sejam mais abertos à participação da sociedade civil; b) retomem a centralidade do espaço de debate político público; c) eliminem as suas práticas menos transparentes, quer na sua actividade interior quer na apropriação dos aparelhos do Estado, através da selecção pouco clara dos representantes eleitos e não eleitos para cargos de responsabilidade política; d) apresentem uma linha coerente de acção política e uma definição ideológica demarcada - não estática - que corresponda às matrizes originais da sua formação e que estão na base da ligação identitária dos eleitores com os partidos.

O preço a pagar pela ignorância voluntária dos sinais que se apresentam está à vista e a sua primeira amostra ocorrerá já no próximo dia 25 de Maio. Os partidos representaram, e continuam a representar, o local por excelência para a prática da actividade política; não obstante, os últimos anos têm demonstrado que estão longe de serem os únicos actores políticos na vida social e movimentos como o Que se Lixe a Troika, saídos da manifestação de 15 de Setembro de 2012, têm desempenhado um papel activo na vida política nacional. Será a sua capacidade de adaptação e transformação - que não representa um retorno ao passado, mas sim o assumir de novas valências, competências e formas de praxis política, de adopção de comportamentos éticos e dum compromisso inequívoco com a res publica - que permitirá aos partidos impedir a sua extinção perante aquela que aparenta ser, já, uma preocupante obsolescência.


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* Casos como a Bélgica, a Suécia, a Dinamarca e a Finlândia - a Noruega apresenta números muito estáveis ao longo dos anos - registaram quedas muito ligeiras, pouco significativas, e registaram um grande aumento da taxa de sindicalização ao longo das décadas de 1980 e 1990, tendo a descida ocorrido somente a partir dos anos 2000.

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