terça-feira, 27 de maio de 2014

Isto é uma análise às eleições europeias

As eleições europeias de domingo foram o culminar dum processo lento de emergência das forças de extrema-direita na Europa que demorou várias décadas até alcançar o êxito triunfal que os eleitores lhes conferiram. Mas esta vitória não teria sido possível sem Maastricht, sem Durão Barroso, sem o Tratado Orçamental e sem o fim da história.

A derrota de PPD e PP – juntos na Aliança por todos nós, porque é por nós que eles têm andado a trabalhar, não é? –, mais a vitória do Marinho – em coligação com o Manuel Luís e com a Cristina –, para além da vitória do PCP – em coligação com o camarada Brejnev – e a queda do BE já foram bastante esmiuçadas. Os partidos do governo saem penalizados pelas políticas austericidas que implementaram, o Marinho é o Marinho e o PCP é o PCP e o BE pagou a continuação da estratégia de Louçã de sovietização do partido,e a sua saída tardia da coordenação do mesmo. Lá por fora, na Europa – que nós por cá continuamos a não fazer muito parte da Europa – triunfaram as forças do mal, não imperialistas como no filme de George Lucas, mas sim cessacionistas, como naquele filme muito famoso dos anos 90 filmado na ex-Jugoslávia. Diz-se, aliás, que quando quiseram fazer o remake deste clássico dos anos 90, na seleção do novo casting, Durão Barroso e companhia valorizaram muito a experiência dosatores e foram escolher os que já tinham participado em filmes alemães de meados da década de 30. É uma nova era na cinematografia europeia, um neo-realismo pós-moderno que é tão moderno que é antigo.

Fim de parêntesis metafórico, que falta falar, ainda, dos grandes e retumbantes vencedores da noite, em Portugal: o PS e a abstenção. Os resultados de um e de outro indiciam aquilo que à partida, entre si, pouca relação teria. A elevada abstenção – em Portugal e no resto da Europa – reflete o total desinteresse dos cidadãos pela participação ativa na vida política mas, acima de tudo, o desfasamento completo entre osatuais partidos e os eleitores. E é aqui que entra a vitória do PS, uma vitória que não deixa confiança suficiente nos eleitores nem nos militantes para garantir que o partido está preparado para governar daqui a um ano. E esta é, a nível nacional, a análise mais importante a fazer.

Depois de 3 anos de violência doméstica – batemos-te, Zé Povinho, mas é para o teu bem, que tu ficas cheio de nódoas negras mas o ambiente cá em casa fica melhor –, em que a casa nem sequer se pode dizer que tenha ficado arrumada, o PS contenta-se em arrecadar mais um eurodeputado do que há cinco anos e ter uma vitória que mal chega aos 4% de diferença para os partidos que sustentam Passos e Portas. De que deriva esta vitória curta? De várias combinações trágicas. Em primeiro lugar, da descaracterização ideológica do partido. Que pretendemos ser, em 2014, quando pretendemos ser socialistas(se é isso que efetivamente somos)? Pretendermos ser tudo e o seu contrário coloca-nos perante contradições – ideológicas e de atuação – que nos impossibilitam uma postura coerente e decidida nas principais questões de tomada de decisão pública. Urge abandonar a terceira via e repensar os princípios orientadores de ação do partido para o futuro. Num momento de triunfo das forças de extrema-direita, anti-europeístas e xenófobas, os partidos socialistas e sociais-democratas têm de reafirmar a sua posição firmemente esquerdista. Em segundo lugar, a proximidade com os cidadãos. Transformar as campanhas eleitorais em momentos mediáticos e unidirecionais – dos candidatos para o público e sem vice-versa – menorizam o espaço de participação e interação que, com toda a naturalidade, os eleitores reclamam – não é esta a geração mais bem preparada de sempre e não sei o quê? Para além da falta de interação que existe, reflexo da indisponibilidade permanente de auscultaçãodireta aos cidadãos por parte de quem é eleito, no período que intermedeia os ciclos eleitorais, esta “proximidade” com os eleitores tende a esvaziar-se no momento após a eleição e a só se repetir na eleição seguinte. Em terceiro lugar, a militância e a atividade partidária. A redução considerável de militantesque os partidos políticos registaram em Portugal desde 1974/75 até aos dias de hoje, faz com que deles se tenha afastado uma considerável parte da elite intelectual nacional e, consequentemente, a prática primordial dos partidos de fomentarem o debate e a discussão no seu interior. Isto provoca, no limite, que os partidos se vejam hoje desprovidos de massa crítica suficiente para desenvolver uma militância ativa, que tenha no serviço da causa pública o principal objectivo de ação. E, por último, a liderança. Parece indissociável da falta de confiança depositada no PS nestas últimas eleições pelos cidadãos, a liderança atual do partido, ou a falta dela. A incapacidade de compreender a ligação com os cidadãos, com os movimentos organizados ou desorganizados de cidadãos, de congregar à sua volta outras forças de esquerda – o Livre não podia ser livre dentro do PS? e de se apresentar como uma alternativa de governo viável,com capacidade de governar o país durante os quatro anos dalegislatura – e isto significa demonstrar inequivocamente que o que pretende para o país é radicalmente diferente daquilo que o país conheceu nos últimos 3 anos –, minam por completo a confiança na mudança que se pretende transmitir.

A recusa em entender estes fenómenos poderá condenar o país a um período de instabilidade governativa - e o partido a um afastamento ainda maior dos eleitores, semelhante ao do PASOK e do PS Francês. Há não muito tempo, quando se perspectivava que pudesse ser candidato á liderança do PSF, Manuel Vals afirmava a necessidade do partido mudar a sua identidade para se ver livre do fardo do seu passado e história socialista. Após estas eleições, que deram a vitória à Frente Nacional dos Le PenHollande, em mais uma demonstração profunda de socialismo – francês, além de tudo – decidiu manifestar a sua incompreensão da Europa e afirmar que a UE deve retirar a sua presença dos sectores onde não é necessária. Previsível, o presidente francês responde aos ensejos nacionalistas e xenófobos dos que votaram na extrema-direita com menos europeísmo e menos socialismo. Esta quinta-feira, o Livre organiza um evento para discussão dos resultados eleitorais aberto aos seus membros, apoiantes, ou a quem quiser lá aparecer. Querem saber a opinião de quem acompanhou o processo de campanha, quais as suas expectativas, o caminho a ser seguido no futuro. No domingo, no Altis, a vitória começou histórica e acabou amarela no sorriso, mas a tónica dominante foi a ausência de ilações e nova incapacidade de percepção do rumo de mudança que o PS tem de seguir: a mudança de si próprio.

Sem comentários: