As eleições europeias de domingo foram o culminar dum processo lento de emergência das forças de extrema-direita na Europa que demorou várias décadas até alcançar o êxito triunfal que os eleitores lhes conferiram. Mas esta vitória não teria sido possível sem Maastricht, sem Durão Barroso, sem o Tratado Orçamental e sem o fim da história.
A derrota de PPD e PP – juntos na Aliança por todos nós, porque é por nós que eles têm andado a trabalhar, não é? –, mais a vitória do Marinho – em coligação com o Manuel Luís e com a Cristina –, para além da vitória do PCP – em coligação com o camarada Brejnev – e a queda do BE já foram bastante esmiuçadas. Os partidos do governo saem penalizados pelas políticas austericidas que implementaram, o Marinho é o Marinho e o PCP é o PCP e o BE pagou a continuação da estratégia de Louçã de sovietização do partido,e a sua saída tardia da coordenação do mesmo. Lá por fora, na Europa – que nós por cá continuamos a não fazer muito parte da Europa – triunfaram as forças do mal, não imperialistas como no filme de George Lucas, mas sim cessacionistas, como naquele filme muito famoso dos anos 90 filmado na ex-Jugoslávia. Diz-se, aliás, que quando quiseram fazer o remake deste clássico dos anos 90, na seleção do novo casting, Durão Barroso e companhia valorizaram muito a experiência dosatores e foram escolher os que já tinham participado em filmes alemães de meados da década de 30. É uma nova era na cinematografia europeia, um neo-realismo pós-moderno que é tão moderno que é antigo.
Fim de parêntesis metafórico, que falta falar, ainda, dos grandes e retumbantes vencedores da noite, em Portugal: o PS e a abstenção. Os resultados de um e de outro indiciam aquilo que à partida, entre si, pouca relação teria. A elevada abstenção – em Portugal e no resto da Europa – reflete o total desinteresse dos cidadãos pela participação ativa na vida política mas, acima de tudo, o desfasamento completo entre osatuais partidos e os eleitores. E é aqui que entra a vitória do PS, uma vitória que não deixa confiança suficiente nos eleitores nem nos militantes para garantir que o partido está preparado para governar daqui a um ano. E esta é, a nível nacional, a análise mais importante a fazer.
Depois de 3 anos de violência doméstica – batemos-te, Zé Povinho, mas é para o teu bem, que tu ficas cheio de nódoas negras mas o ambiente cá em casa fica melhor –, em que a casa nem sequer se pode dizer que tenha ficado arrumada, o PS contenta-se em arrecadar mais um eurodeputado do que há cinco anos e ter uma vitória que mal chega aos 4% de diferença para os partidos que sustentam Passos e Portas. De que deriva esta vitória curta? De várias combinações trágicas. Em primeiro lugar, da descaracterização ideológica do partido. Que pretendemos ser, em 2014, quando pretendemos ser socialistas(se é isso que efetivamente somos…)? Pretendermos ser tudo e o seu contrário coloca-nos perante contradições – ideológicas e de atuação – que nos impossibilitam uma postura coerente e decidida nas principais questões de tomada de decisão pública. Urge abandonar a terceira via e repensar os princípios orientadores de ação do partido para o futuro. Num momento de triunfo das forças de extrema-direita, anti-europeístas e xenófobas, os partidos socialistas e sociais-democratas têm de reafirmar a sua posição firmemente esquerdista. Em segundo lugar, a proximidade com os cidadãos. Transformar as campanhas eleitorais em momentos mediáticos e unidirecionais – dos candidatos para o público e sem vice-versa – menorizam o espaço de participação e interação que, com toda a naturalidade, os eleitores reclamam – não é esta a geração mais bem preparada de sempre e não sei o quê? Para além da falta de interação que existe, reflexo da indisponibilidade permanente de auscultaçãodireta aos cidadãos por parte de quem é eleito, no período que intermedeia os ciclos eleitorais, esta “proximidade” com os eleitores tende a esvaziar-se no momento após a eleição e a só se repetir na eleição seguinte. Em terceiro lugar, a militância e a atividade partidária. A redução considerável de militantesque os partidos políticos registaram em Portugal desde 1974/75 até aos dias de hoje, faz com que deles se tenha afastado uma considerável parte da elite intelectual nacional e, consequentemente, a prática primordial dos partidos de fomentarem o debate e a discussão no seu interior. Isto provoca, no limite, a que os partidos se vejam hoje desprovidos de massa crítica suficiente para desenvolver uma militância ativa, que tenha no serviço da causa pública o principal objectivo de ação. E, por último, a liderança. Parece indissociável da falta de confiança depositada no PS nestas últimas eleições pelos cidadãos, a liderança atual do partido, ou a falta dela. A incapacidade de compreender a ligação com os cidadãos, com os movimentos organizados ou desorganizados de cidadãos, de congregar à sua volta outras forças de esquerda – o Livre não podia ser livre dentro do PS?– e de se apresentar como uma alternativa de governo viável,com capacidade de governar o país durante os quatro anos dalegislatura – e isto significa demonstrar inequivocamente que o que pretende para o país é radicalmente diferente daquilo que o país conheceu nos últimos 3 anos –, minam por completo a “confiança na mudança” que se pretende transmitir.
A recusa em entender estes fenómenos poderá condenar o país a um período de instabilidade governativa - e o partido a um afastamento ainda maior dos eleitores, semelhante ao do PASOK e do PS Francês. Há não muito tempo, quando se perspectivava que pudesse ser candidato á liderança do PSF, Manuel Vals afirmava a necessidade do partido mudar a sua identidade para se ver livre do fardo do seu passado e história socialista. Após estas eleições, que deram a vitória à Frente Nacional dos Le Pen, Hollande, em mais uma demonstração profunda de socialismo – francês, além de tudo – decidiu manifestar a sua incompreensão da Europa e afirmar que a UE deve retirar a sua presença dos sectores onde não é necessária. Previsível, o presidente francês responde aos ensejos nacionalistas e xenófobos dos que votaram na extrema-direita com menos europeísmo e menos socialismo. Esta quinta-feira, o Livre organiza um evento para discussão dos resultados eleitorais aberto aos seus membros, apoiantes, ou a quem quiser lá aparecer. Querem saber a opinião de quem acompanhou o processo de campanha, quais as suas expectativas, e o caminho a ser seguido no futuro. No domingo, no Altis, a vitória começou histórica e acabou amarela no sorriso, mas a tónica dominante foi a ausência de ilações e nova incapacidade de percepção do rumo de mudança que o PS tem de seguir: a mudança de si próprio.
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