terça-feira, 13 de março de 2012

Globalização em Trincheiras - Intro II

O Paradoxo do Morango

Introdução - Parte II 

Gosto muito de morangos. Morangos com chantilly, com açúcar, ao natural; gelado de morango, compota de morango, iogurte de morango, doces de morango, no fundo, praticamente tudo. Gosto, sobretudo, de bons morangos. Mas, como em tudo o que há na vida, há bons morangos e há maus morangos. Infelizmente, esta não é a única distinção que é feita em relação aos morangos: há os morangos espanhóis, franceses, italianos ou, mais vulgarmente todos os outros; e, depois, sublime perfeição, há os morangos portugueses. Ah, os morangos portugueses: pequenininhos, maneirinhos, docinhos e saborosinhos, morangos que são moranguinhos, como não há outros. Morangos com super poderes porque estimulam a economia nacional, criam postos de trabalho, salvam a agricultura portuguesa e tudo e tudo e tudo.

Vem toda esta conversa a propósito de uma outra, mantida num almoço dominical, dia de comemoração de aniversário em que, para sobremesa, havia, precisamente morangos. Oh, pobres morangos, difamados, vilipendiados, infames; morangos condenados muito antes da primeira prova; morangos espanhóis!

Este é o verdadeiro motivo por detrás da "Globalização em Trincheiras" - o protecionismo, entenda-se, não os morangos - e era por aqui que queria ter começado. Aparentemente, o mundo globalizado em que vivemos tem de funcionar só para um lado, para aquele lado em que tudo são vantagens e benefícios, em que podemos comunicar com pessoas do outro lado do mundo como se elas estivessem mesmo ao nosso lado, encurtar distâncias, viajar em low cost, comer pratos típicos japoneses, chineses, coreanos, indianos ou russos sem grandes deslocações e, muitas vezes, sem sair de casa, conhecer o mais recente filme de uma realizadora iraniana ou a nova música de uma cantora islandesa, comprar todos e cada um dos produtos que sai das mentes criativas da Califórnia, para produção na China. É assim que somos levados a entender a globalização, um mar de oportunidades para quem as souber (ou puder) aproveitar; foi assim que a conhecemos durante largos anos, ou assim quiseram que fosse.

Mas, eis a crise, que entrou sorrateiramente por entre os olhares distraídos dos faroleiros adormecidos, embalados por uma mão suavemente invisível, mas incapaz de suster a fúria inapelável do egoísmo humano, que tanto alimentou. A crise esteve só à porta durante um tempo, impaciente, não tão discreta quanto isso, crescendo, ganhando força, até poder aparecer e entrar na nossa vida, na vida de muitos 99%, poupando conscientemente os poucos 1%, implacável, triunfante, arrasadora. E a preocupação dominante? Defender a nossa trincheira, custe o que custar. Que importa se, mesmo ao nosso lado, na trincheira vizinha, várias vidas são ceifadas diariamente, corpos queimados vivos e o cheiro da putrefação nos invade e domina o olfato? Que importa tentar ver para lá da retórica mediática farpada que nos cerca, que nos tolda a racionalidade e nos contraria instintos naturais, instintos que nos impelem à entreajuda e à solidariedade?

E se o individualismo for uma construção? E se o egoísmo competitivo nos for incutido? E se pararmos de nos importar apenas com a nossa trincheira? Que invenção tão genialmente bacoca, os nacionalismos, indiscutíveis, exacerbados, vigentes - nada mais que «trincheirismos» multiplicados globalmente, neologismo igualmente sinónimo da subalternização do Ser.

As "reflexões alternativas sobre o estado a que isto chegou" são sobre isto mesmo, por uma globalização global, assim, tal e qual, sem correções adstritas - sobretudo, sem trincheiras. Pelo ser humano, pela humanidade, por nós!

É que não consigo perceber: porque raio é que tenho de comer só morangos portugueses?

mj

Sem comentários: